sexta-feira, 11 de março de 2011

Carnaval, Futebol: Tudo junto e misturado.Mas... Nem tanto!

Caros Amigos internautas,

Como costumo escrever algo sobre o carnaval após a passagem de Momo por Salvador, quero chamar a atenção ao titulo deste comentário, que em minha modestíssima opinião é um slogan folclórico sobre manifestações culturais da dimensão do carnaval, bem como do futebol e que em grande medida camufla a sua excessividade.

Explico: O carnaval de Salvador é sem duvida a maior organização festiva do planeta e tem a capacidade de reunir o mundo durante os dias da folia. Vem gente dos quatro cantos do planeta, de territórios globais mais abastados até os mais humildes. Pessoas de todas as cores, crenças, culturas, etnias, religiões convivem guiados pelos acordes, tambores, ritos, ritmos e vozes dos artistas demonstrando que algumas formas de comunicar ultrapassam quaisquer que sejam as barreiras.

O rico, o pobre, o preto, o amarelo, o índio, asiático ou o negro se esbarram no sobe e desce estonteante pelas ruas do prazer, seja a Barra, seja Ondina, seja o Campo Grande ou a Praça da Sé, seja no Pelô, no subúrbio ferroviário, em Itapuã, Liberdade ou Cajazeiras, o junto e misturado parece à tônica da catarse e histeria coletiva, bem nos moldes das confraternizações entre os povos e a pseudo anulidade das desigualdades que define quem é mais ou menos gente nesse mundo, como nos querem fazer crer os eventos esportivos, destacadamente o futebol em época de copa do mundo.

A contradição, o senão, o, entretanto, o não é bem assim, o é bem diferente disso, também é análogo ao futebol e às copas do mundo. Explico de novo: A ultima copa do mundo, foi realizada pela primeira vez na historia desse esporte no continente mais negro do planeta. Na Africa. A África do Sul pais que no direito deu adeus ao apartheid em 1990, no fato mantém a lá Brasil as desigualdades e os pré-conceitos raciais velados.

O evento não trouxe nenhum beneficio de inclusão dos irmãos Africanos e muito menos deixou algum legado que aumentasse a autoestima de um povo de maioria inacreditável de negros, dominados até hoje por uma minoria branca. Ou alguém imagina que a população da África do sul negra e pobre adentrou aos estádios nos jogos da copa?


O elã da igualdade cai por terra lá quando parte dos paises em pleno século XXI ainda são mantidos como colônias de exploradores europeus. A copa passou, o fetiche colou para muitos e não colou para os que sofrem na pele ou estão atentos às verdadeiras demandas de grande parte da humanidade que implora dignidade humana.


Mas... Voltando ao nosso carnaval e ao nosso futebol as semelhanças se repetem. Num estádio pseudamente todos estão juntos e misturados, mas com um olhar um tanto detalhista e critico, constata-se o obvio, ainda que pareçam estar juntos ou mesmo misturados, não estão. Basta o apito final do jogo e as cortinas do espetáculo cínico humano se desfaz. Recoberta a consciência, rapidamente a postura asséptica impera separando o óleo da água, o joio do trigo. Como diz a musiquinha... Cada um no seu quadrado.

Vários são os momentos no carnaval de Salvador que refletem a ilusão de ótica e ao mesmo tempo denuncia a farsa. Assisti ao vivo do Campo Grande o desfile dos trios no ultimo dia do carnaval. Chegamos cedo, eu e minha família, nos posicionamos estrategicamente para não perder nenhum detalhe.

Primeiro passaram as chamadas 'grandes atrações', foi Ivete, Tomate, Chiclete com Banana e com eles os seguidores da cor do sol ardente que pairava e elevava a temperatura para quase 40º. Um desfile da minoria branca em pleno circuito negro. Ops, e os negros onde estavam nesse momento?

Calma... Estavam devidamente posicionados nas cordas com poderes mágicos que nem o laço da mulher maravilha, capaz de delimitar o quadrado de cada folião não só pela economia, mas, sobretudo pela carência de melanina no organismo.

E qual o principal papel dos cordeiros da liga da justiça? Impedir o contato e afronta do Pingüim, Coringa e Lex luthor, os para além do laço mágico.

Engraçado, na medida em que o sol dava lugar ao sereno anunciando a chegada da noite, uma metamorfose acontecia em nossa cara. Já não era possível diferenciar que tomava conta do laço mágico de quem dentro dele se protegia.

Coincidentemente ou não como diz Caetano, já passara Psirico e seu pagode e enredo com "favela êh favela, respeite o povo que vem dela..." e os afoxés aparecem com sua força, beleza e religiosidade... Pena que nas arquibancadas já não tinha quem assistisse e as atenções midiáticas voltaram-se para o circuito Barra-Ondina. Autoridade pública nessa hora, nem pensar. É como se ficasse no ar o reclame de Marcio Vitor contra ofensa racista por ele sofrida em plena orla de Salvador, parafraseando Eric Hobsbawm tudo que é sólido se desmancha no ar.

Enquanto isso na sala de justiça, vimos lampejos organizados ou não, saudosista ou não, oportunista ou não, socialistas ou não, de manifestações em prol à pipoca, à quebra do laço mágico. Foi assim com Saulo no "Pipoca do Eva", obvio que sem os foliões que acompanham o trio. O Marcio Vitor dá uma intimada no prefeito para que no próximo ano, pelo menos em um dia, ele possa sair arrastando o povo como reconhecimento dos principias atores da grande encenação artística, e da obra prima que é o carnaval.

Houve até um movimento de consolidação que na quarta-feira, dia em que antecede oficialmente a entrega das chaves da cidade (Isso se o prefeito sabe onde perdeu, né!), o circuito Barra-Ondina fique reservado apenas para as manifestações espontâneas da população com grupos de fanfarras, trio nordestino, fantasias, batucada em lata, desvinculada do trio elétrico, desvinculado da padronização, robotização do modelo capitalista de se fazer uma festa.

E quando a quarta de cinza chega, as elites marcam no twiter, orkut, msn, torpedo, a ressaca nos grandes eventos musicais que sucedem o carnaval, voltam felizes à rotina segura de lugar garantido no leito da fartura sócio econômica, enquanto que os cordeiros brigam por meses para receberem os míseros, mas dignos reais conquistados literalmente na selva e a tapas.

Os programas televisivos que falam da festa ratificam e desmistificam a idéia do junto e misturado . Todos juntos e misturados, uma OVA. Enquanto para uns rolam as imagens dos camarotes, com todo o luxo, massagens, pistas de danças, locais de descansos, penteados, bebidas, comidas e proteção exclusiva, para outros, as imagens parecem cordas de caranguejos saídos do mangue.

Esse mangue é alimentado na histórica desigualdades entre os homens na cidade com grande diversidade cultural e infinita desigualdade social. A imagem dos novos fichados, espancados, maltratados, embriagados ficam para os periféricos.

Não se trata simplesmente uma questão racial, ou cultural ou de ordem sócio-econômica ou ainda de classes, é antes uma questão histórica. Em ultima análise um Tudo junto e misturado.

Até mais,

2 comentários:

  1. E desse modo só resta a dizer : Paz,carnaval,Futebol!

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  2. Parabéns por tirar a máscara do Carnaval é mostrar a farsa. O Carnaval não é uma festa popular e o de Salvador é um belo exemplo que comprova isso. Um artigo muito esclarecedor que deve ser lido nas escolas como detonador de uma reflexão sobre a mentira que a mídia glamouriza dizendo que é uma festa para todos. Todos quem??????????????????? Quem fica do lado de dentro da corda e quem fica fora da corda e também segura a corda??????????? E o dinheiro público que é gasto no Carnaval??????? Muito esclarecedor o artigo:"Todos juntos e misturados, uma OVA"..."é antes uma questão histórica"...

    Âbraços grapiunenses.



    ANÔNIMA

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